Outro jeito de ver a guerra ao terrorismo

Publicado em 06/05/2011 - marco-regis-de-almeida-lima - Marco Regis de Almeida Lima

O artigo 4º da nossa Constituição Federal afirma que a República Federativa do Brasil rege-se por princípios,  em suas relações internacionais, como, por exemplo, o repúdio ao terrorismo.  Antes, o artigo 1º expressa que a federação brasileira é um Estado Democrático de Direito fundamentado na soberania; na cidadania: na dignidade da pessoa humana; nos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; e no pluralismo político. Por outro lado, no capítulo dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos há condenação à tortura e ao tratamento desumano e degradante, assegurando-se o direito à informação, à livre manifestação do pensamento, à inviolabilidade de consciência e de crença religiosa e à liberdade de expressão intelectual, artística, científica e de comunicação. O conjunto de preceitos constitucionais elencados  nos dá a oportunidade de ver, sob ponto de vista pessoal, as ações praticadas pelos ativistas  Cesare Battisti, italiano, preso no Brasil, e Osama Bin Laden, saudita, morto esta semana, sem que estejamos praticando ou fazendo apologia de terrorismo, condenado pela nossa Carta Magna. Além do mais, estamos exercitando direitos constitucionais, principalmente do acesso a todos ao direito de informação, à liberdade de pensamento e de expressão da atividade intelectual.
Por isso, temos o direito e a coragem de estabelecer o contraditório diante da contumaz e massacrante manipulação da grande mídia ocidental, que está nas mãos de um punhado de bilionários, inclusive a brasileira.
No caso Battisti, tem sido divulgado insistente e deturpado noticiário, que trata o italiano como um assassino qualquer, deixando de situá-lo no contexto histórico da época dos acontecimentos, na Itália, década de 1970, quando uma corrupção sistêmica grassava nas esferas de poder, com ligações com a máfia, inclusive provocando assassinatos que acabavam na impunidade. Em decorrência não só disso, também  da forte bipolaridade ideológica daqueles anos, surgiram organizações clandestinas de esquerda que lutavam pela derrubada desse poder corrupto, dentre elas a dos Proletários Armados pelo Comunismo (PAC), na qual era militante Cesare Battisti. Nasceria , no início da década seguinte, dentro do Judiciário italiano, a chamada Operação Mãos Limpas, que colocou na cadeia políticos, empresários, juízes e militares corruptos.  Concomitantemente, deu-se combate às organizações que agiam na clandestinidade. Foi quando muitos arrependidos desses movimentos puderam receber o benefício da delação premiada. Nessa situação, quatro mortes provocadas em ações do PAC foram imputadas a Cesare Battisti, que encontrava-se exilado na França,  por um ex-companheiro dele, que sabia da sua fuga para território francês, facilitando a delação. Daí viria a sua condenação à revelia com prisão perpétua, sob acusações e provas questionáveis.
Sobejamente difundida é a atuação de Osama Bin Laden, pesando contra ele a chefia da temível Al Qaeda, apontada como responsável  por  inúmeros atentados a objetivos dos Estados Unidos da América (USA) tais como as suas embaixadas no Kenia e na Tanzania, a uma base militar na Somália, ao navio da marinha – o USS Cole – atracado no Yêmen, além do atrevido e histórico 11 de setembro de 2001, ocasião em que uma série de aviões seqüestrados em aeroportos americanos foram jogados contra as Torres Gêmeas e o Pentágono, respectivamente, símbolos do Poder Econômico e Militar dos USA.
Através das ações assumidas ou atribuídas a Bin Laden,  foi ele declarado, ainda no governo de George W. Bush, como o inimigo Nº 1 dos USA  e abrindo chances para que esse país invadisse e desstroçasse o Iraque sob o pretexto de busca a terroristas e armas químicas, que nunca foram encontradas.  Em conluio internacional, através do rótulo cínico de ¨forças de segurança ou forças de paz¨, onde o cordão dos puxa-sacos ajunta os poderosos (USA, mãe Inglaterra, Alemanha,França)  com os buchas-de-canhão de Portugal, Polônia e outros, ocorre o passo seguinte que é a invasão do Afeganistão, onde Bin Laden viveria em suas remotas cavernas, vindo, como conseqüência,  a derrubada do regime dos talebãs. Por trás dos acontecimentos,  está sempre a aparente vítima dos árabes, estes “sempre bem armados com paus e pedras”, ou seja,  Israel, belicosa desde os tempos bíblicos, quando, de fato, era coitadinha, mas, hoje opulenta, potencia atômica e possuidora de armamentos de alta tecnologia. Para um considerável contingente muçulmano, Bin Laden, é a própria encarnação da Jihad ou Guerra Santa.
Na visão de uma infinidade de gente não-árabe, onde me incluo, as ações promovidas por Bin Laden seguem a lógica da luta desigual entre os mais fracos contra os mais fortes. A História está repleta desses exemplos, começando pelo israelita Davi contra Golias. Nossos indígenas eram exímios nas emboscadas e as utilizaram na expulsão dos holandeses do nordeste brasileiro, em nosso período colonial, em aliança com negros, portugueses e mulatos, num momento histórico singular, quando antes mesmo de ser um país o Brasil tornou-se uma nação. Pouco se fala hoje na Resistência Francesa, um movimento que uniu franceses de áreas ocupadas e não-ocupádas pelos nazistas, inclusive o General Charles De Gaulle, que viria a fundar e a presidir a V República Francesa. Em ações de guerrilha, principalmente explosões, lutaram contra os invasores e o colaboracionista Regime de Vichy. Pouco se fala pois querem apagar a fama de terrorista do grande líder mundial, De Gaulle. Não foram diferentes as ações dos Partisans da antiga Yugoslávia, na luta contra o nazismo e que daria respeito internacional ao saudoso Marechal Tito. Não teria sido o 11 de Setembro uma ação de guerrilha contra um país que sempre alardeou a sua supremacia, invulnerabilidade e inexpugnabilidade ?
Assim sendo, se os atos praticados por Bin Laden foram covardes, nenhuma covardia representa  a sua execução e de outros, ao meu ver. Para mim, tudo é uma decorrência de guerra e nela morrem culpados e inocentes. Guerra é guerra, declarada ou não. Quantos milhares de inocentes já morreram em decorrência da ação e intromissão dos Estados Unidos? Nós, sulamericanos, especialmente os brasileiros, não podemos nos esquecer dos sumiços, torturas e mortes através de ditaduras instaladas sob a cooperação da CIA – Central  Inteligence Agency -, embaixadores e militares norteamericanos,  especialmente no Cone Sul, onde nos situamos. Tal como nas Torres Gêmeas, civis inocentes morreram ou morrem aos montes,  por ação do Condomínio Global, formado por USA e seus aliados, na Palestina, na Líbia, no Iraque e no Afeganistão.
Tolas, descabidas e ridículas são as versões e as justificativas para a morte de Bin Laden por parte do governo dos USA e a grande imprensa manipuladora do ocidente (também existente na China e outras partes). Morreu e acabou. Fotografias, DNA, versões conflitantes, nada disso é convincente, porque tudo é manipulável. Bin Laden morto ou não é quase que uma questão de fé. Os americanos comemoraram essa morte nas ruas como nós comemoramos um campeonato de futebol. Significou  que o 11 de Setembro estava entalado na garganta havia uma dezena de anos.
A grande conclusão que todos podem e devem tirar desses dez anos de caçada, ou seja, do 11 de Setembro de 2001 até a morte de Bin Laden, nesta semana, é que caíram as máscaras dos Estados Unidos,  de país livre, democrata, espontaneamente cooperador e defensor intransigente dos direitos humanos (nos países dos outros).  O que aconteceu nestes dez anos, só para nos focarmos no período pós-implosão das Torres Gêmeas, foi muito visível e inteligível, somente deixando de ser perceptível pra gente beócia, idiota ou da mesma laia que povo e governo norteamericanos. Ou alguém mais tem dúvidas de como eles invadem a soberania de outros países, de que eles  sempre praticaram a tortura, pois os falcões de Bush II admitiram isso e,  agora,  o chefão da CIA confessou para as câmeras de TV que só um dos presos de Guantánamo foi submetido a 130 sessões de afogamento. Para mim, nada disso é novidade. Eu já sabia.

* Marco Regis de Almeida Lima, médico,
ex-prefeito de Muzambinho
(1989/92 e 2005/2008) e ex-deputado
estadual de MG (1995/98 e 1998/2002)