Publicado em 30/08/2013 - marco-regis-de-almeida-lima - Da Redação
Por Marco Regis *
A primeira delas é que fiz parte de um projeto da minha faculdade, pertencente à Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG -, no qual o número de vagas foi aumentado de 160 para 220 e a duração do curso reduzida de seis para cinco anos, medidas destinadas à oferta de mais profissionais à população mineira e brasileira, diante dos mesmos obstáculos hoje apontados: falta ou má distribuição dos médicos, mas com a inegável inexistência de médicos, em centenas de municípios brasileiros. Concluída a graduação médica, muitos dos meus colegas se embrenharam pelo nosso interior, todos corajosos, mas nenhum deles que não tenha ralado por plantões ou estágios hospitalares, na condição de acadêmicos, ou ainda, como protegidos e colaboradores de professores ou de renomados especialistas da Capital das Alterosas. Outros foram fazer Residência Médica, oficial ou informal, algumas sujeitas ao reconhecimento posterior do nosso órgão fiscalizador, o Conselho Regional de Medicina – CRM -, porque, há 40 anos, a Residência era um tipo de especialização ainda controverso e limitada, algumas sujeitas a preferências pessoais como critério de entrada. Além do mais, muitos tinham pressa de iniciar a profissão, de se aprumarem na vida, razão pela qual se enveredaram para o interior brasileiro.
Como nos tornamos uma turma unida, que vem se reunindo, periodicamente, em comemorações pelos aniversários de formatura – a última, em Araxá-MG, pelos quarentinhas – tivemos a chance de acompanhar ou ter conhecimento da trajetória profissional da imensa maioria. Um deles chegou ao cargo de Diretor da nossa Escola; alguns se tornaram bons professores universitários; muitos se consagraram nas mais diferentes especialidades, desde dermatologia cosmética até medicina nuclear. Sem falar naqueles que se tornaram dirigentes de nossas entidades médicas, como o atual Presidente do CRM do nosso Estado, por vários anos meu companheiro de “república estudantil”, além de muitos de nós que nos tornamos prefeitos, deputados estaduais e um como deputado federal por Goiás.
Dos comentários acima, constato que desde a época dos governos militares havia a preocupação de mais médicos, traduzida por curso de graduação de cinco anos, aumento de vagas nas escolas públicas e política educacional de abertura de escolas particulares de medicina. A tendência governamental de hoje aponta que os médicos que estudaram de graça, em universidades públicas, ou com bolsa do governo, deveriam ir trabalhar nas localidades distantes dos grandes centros com o salário hoje proposto pelo Programa Mais Médicos. A proposta inicialmente aventada, através da gestão da Presidente Dilma, repudiada no meio universitário, propunha aumento de duração do curso médico para oito anos, sendo os dois últimos sob a forma de prestação de serviços em localidades carentes de profissionais, a partir de quando se obteria um diploma de conclusão de curso e poder-se-ia cogitar da escolha de residência médica. Isto revelou-se um contra-senso tanto no efeito de retardar a oferta de profissionais como na tentativa de enquadrar as faculdades particulares, onde os alunos estudam a peso de ouro e nada devem ao governo e à sociedade quanto a sua formação.
Quanto à celeuma do chamado Exame Revalida, tenho me colocado contra o mesmo há muitos anos, em idêntica opinião que sempre tive do famigerado Exame da Ordem, procedimento com que a Ordem dos Advogados do Brasil – OAB – diz impedir que bacharéis do Direito, supostamente mal preparados, possam exercer a profissão de advogado. Nesses dois tipos de exames, sempre considerei que avaliações teóricas são inapropriadas e injustas na mensuração da capacidade de um profissional. Nas entrevistas, ou práticas, prevalece o humor e a vontade do examinador, a exemplo dos concursos de motorista de prefeituras, onde o cidadão já foi habilitado pelo Departamento de Trânsito dos estados e vai fazer prova prática de direção. Posso ir muito além: condeno a maioria dos processos de avaliação tipo os de escolas de níveis fundamental, médio e superior, a partir de provas feitas por alunos. E muitos outros, especulativos ou estimativos.
O Revalida se aplica aos médicos estrangeiros que querem trabalhar no Brasil, incluindo centenas de brasileiros formados no exterior, especialmente em Cuba, na Argentina e na Bolívia - onde se gasta menos do que nas onerosas faculdades particulares que se multiplicaram pelo nosso País – desde os governos militares, já referidos, até os dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso, pois somente a partir de Lula é que voltou a opção de abertura e ampliação do ensino superior, técnico e tecnológico de caráter público.
Há poucos anos, a EPTV de Varginha deu amplo noticiário ao fato de que uma “falsa médica” fora detida pela Polícia Federal no hospital em que dava plantão, se não me engano em Ilicínea ou Campos Gerais. Uma injustiça e um constrangimento com roupagem de crueldade, pois ela era formada no exterior e não passara pelo Revalida. Eu mesmo já trabalhei com um bom profissional e colega, brasileiro formado na Bolívia, em situação ilegal como a dessa médica, em plantões no hospital de Monte Belo. Ele precisava de emprego e não conseguia transpor o calvário desse desproporcional Revalida – igualmente o Exame da OAB. Eles não são falsos médicos, apenas ilegais que, bendito seja o governo Dilma, lhes dá oportunidade de nos ajudar e suprir nossas carências na área da saúde, não sei se por falta ou má distribuição dos médicos. Não somente lhes dá espaço, mas, rompe com o corporativismo da nossa classe médica, impondo uma lógica: pegar ou largar.
Texto existente na internet, de autoria questionada se de Frei Beto ou de um médico brasileiro que atua em Portugal, Pedro Saraiva, chama a nossa atenção para o fato de que o alarido maior causado pelo Programa Mais Médicos ecoou contra a vinda de médicos cubanos, atribuindo-se a eles qualidades depreciativas na sua formação e atuação profissional, incorreções nos contratos trabalhistas e até especulações e incitações à fuga deles da ilha caribenha, através desta passagem pelo Brasil, como se fosse regra geral os cubanos desejarem desertar do seu País. Um dos textos, postados em Luís Nassif on Line rebate esse alarido preconceituoso ou de conotação política, demonstrando que os médicos cubanos atuam ou atuaram em setenta países do mundo como Brasil, Portugal, Venezuela, em vários da África e, sobretudo, no Haiti, por ocasião do avassalador terremoto que matou 200 mil pessoas, ocasião em que os médicos voluntários de países desenvolvidos deram no pé em poucas semanas, permanecendo os cubanos no meio do caos. Pedro Saraiva questiona o nosso Revalida que, tempos atrás, teria aprovado apenas 10,9% de cubanos, enquanto em Portugal o aproveitamento foi de 73,3%. Indaga o referido texto: por que Cuba, com inferiores recursos tecnológicos e suposta inferioridade qualitativa, tem índices de saúde melhores do que os do Brasil ? De mais a mais os cubanos chegam para suprir lacunas de inexistência de médicos, desenvolvendo aptidões clínicas, mormente Saúde da Família, não para realizar ressonâncias magnéticas ou procedimentos cirúrgicos. Outro texto a exaltar a competência da medicina cubana, publicado no respeitável New England Journal of Medicine, pode ser lido em http://nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMp1215226.
Como médico comprometido com uma medicina social, também dou a minha bênção ao programa federal “Mais Médicos”, rechaçando todo tipo de elitismo e corporativismo. Muito mais, rechaçando o oportunismo político de setores da nossa imprensa e dos próprios políticos da oposição – PSDB e aliados – que detonaram as críticas, mas não perceberam que o tiro sairia pela culatra, porque eles estão não só contra a Presidente, mas contra o povo desassistido. Mas, é bom lembrar que no governo do PSDB, de Fernando Henrique Cardoso, gestão do então Ministro José Serra, eles trouxeram para cá médicos cubanos que trabalharam nos estados do Amapá, Tocantins e Pará. A título de curiosidade registro que tenho uma vaga lembrança de que “A Folha Regional”, no início deste século XXI, teria noticiado a presença de um médico cubano na nossa querida Monte Belo não sei em qual situação. Nesses exemplos finais não houve grita nem Revalida. É só a gente conferir jornais da época.
*Marco Regis de Almeida Lima é médico, tendo sido prefeito de Muzambinho (1989/92; 2005/2008) e deputado estadual-MG (1995/98; 1999/2003).