QUANDO O MITO VIRA REALIDADE

Publicado em 02/01/2019 e atualizado em 02/01/2019 - marco-regis-de-almeida-lima - Da Redação

QUANDO O MITO VIRA REALIDADE

Mito! Muito se tem falado em mito nos últimos tempos. Para um melhor entendimento de cada palavra sempre seria de bom alvitre que a gente buscasse a sua origem. Pelo menos era assim nos meus tempos de estudante no grandioso templo da cultura mineira, o Colégio Estadual de Muzambinho, que foi continuidade do seu embrião – o afamado Lyceu Municipal de Muzambinho do começo dos anos 1900 – e da sua ainda sobrevivente – a Escola Estadual Prof. Salatiel de Almeida – vetusto educandário que, massificado, teima numa educação de qualidade para os nossos jovens. A área física desta escola ocupa meio quarteirão, tendo como limite esquerdo as esquinas de cima e de baixo da Rua Cesário Coimbra, erguendo-se para a direita em plena Avenida Doutor Américo Luz, pela frente, e Rua Capitão Heliodoro Mariano, aos fundos.

                Mito! Naquele meu tempo de colegial a gente era sempre orientado ao uso de uma palavra com o conhecimento do seu real significado, a etimologia.  Para o professor de física e matemática, o também poliglota José Mariano Franco de Carvalho implicaria no questionamento: “defina primeiro seus termos, depois discutiremos”. Para o professor de Latim, Paulo Vilhena, exímio intérprete da mãe da língua portuguesa e dos antigos filósofos, seria útil procurar nos vocábulos suas raízes latinas, gregas, indígenas ou africanas para a ampliação e solidificação do aprendizado dos mesmos e suas derivações. Entretanto, quem mais nos cobrava as etimologias era o nosso mestre de português, João Marques de Vasconcellos. Todos eles dotados de extraordinárias inteligências e impecáveis didáticas. Ensinar que mito é um substantivo masculino, originado do grego ‘mithós’, significando uma narrativa de tempos fabulosos e heroicos, de seres fantasiosos ou super-heróis, ou simplesmente, lenda, o que não existe, era fácil tarefa para todos eles. Como associar mito à mitologia? Pois era assim a Antiguidade, povoada pelas façanhas imaginárias e lendas dos seus povos: gregos, egípcios, romanos, chineses, escandinavos e outros.

                   Lamentavelmente, nos dias de hoje, a mencionada massificação, tem nos privado do brilhantismo dos antigos mestres. Alguns atribuem à excessiva demanda por professores as consequências da diminuição da capacidade dos educadores, ou seja, pela inaptidão de uma parcela deles. Outros entendem que a heterogeneidade do aprendizado está diretamente ligada à quantidade excessiva dos educandos. Enfim, a oportunidade da ampla oferta de vagas escolares pode ter significado um avanço no grau de escolaridade dos nossos compatriotas, embora isto não se traduza por uma homogeneidade no aprendizado.

                    Assim, vivemos uma época povoada por analfabetos funcionais brasileiros. Foram estes que se autotransportaram à antiguidade na busca da criação de um ser sobre-humano, um mito, capaz de resistir à lâmina da morte e de salvá-los de inimigos fantasiosos. Seu escolhido deveria incorporar mecanismos e propriedades celestiais; deveria se unir a estados-nacionais belicosos e intransigentes, que desdenham das decisões e sanções da esmagadora maioria da comunidade internacional; deveria dar fim ao socialismo no Brasil, que, realisticamente,  aqui nunca existiu como regime político, apenas como denominação e programas de partidos políticos legalmente constituídos; deveria abolir a tonalidade vermelha das nossas vestes e símbolos, talvez até a do Papai Noel; deveria pregar a união do nosso povo sem abrir mão de atitudes provocativas e ferozes contra os adeptos de estandartes vermelhos; deveria defender a família, liberando, hipocritamente, ‘casamentos’ reais ou fictícios que vão deixando filhos para trás nas múltiplas uniões “bem estruturadas”; deveria defender os bons costumes mesmo contando em suas fileiras com desbocados, falsos moralistas e antigos artistas de filmes pornô; deveria proclamar a formação de jovens preparados para o mercado, submissos ao consumismo e à degradação da natureza; deveria propor o estabelecimento da ordem ofertando armamentos mortíferos à população, que tivesse condições financeiras de possuí-los, e falsamente a outros  credenciados como ‘caçadores de javalis’, mas, no todo, escondendo propósitos de formação de milícias armadas; enfim, um mito que liquidasse com o viés ideológico dos outros e implantasse unicamente o seu.

                    Fantasias, façanhas heroicas, lendas ou mitos pertencem ao contexto de inúmeras civilizações da Antiguidade. Embora mais novo, o Brasil cultiva lendas e mitos da Mula-sem-cabeça, Saci Pererê, Boitatá, Curupira, Lobisomem e Iara. Mas isto já não convence a mais ninguém. Foi então que no principiar deste ano de 2019 o nosso País materializou seu novo mito sob cânticos de “o capitão chegou”. Resta saber se esse mito, fruto de uma árvore enraizada há 30 anos na Velha Política, tomará rumos de genuíno heroísmo, ou exibirá suas garras aterrorizadoras de monstro, que aprendeu a identificar e a perseguir as suas presas pelos ensinamentos recebidos de outros indivíduos, muitos anos atrás, que com ele se embrenharam nas matas do Vale do Ribeira. No futuro, a História virá a fazer o reconhecimento desse mito – herói ou monstro – ou simplesmente classificá-lo como mais um dentre as dezenas de personagens que tiveram a glória de conduzir este País. Uns, verdadeiros estadistas, como Juscelino Kubitscheck de Oliveira; outros, desvairados, como Jânio Quadros.

 

*Marco Regis de Almeida Lima é médico, foi prefeito de Muzambinho (1989/92; 2005/08) e deputado estadual-MG (1995/98; 1999/2003) -  marco.regis@hotmail.com