“Acordei de um sonho estranho:
um gosto de vidro e corte,
com sabor de vida e morte!”
(San Vicente, de Milton Nascimento e Fernando Brant).
Aquele 11 de Setembro de 1981 já amanhecera cinzento e frio em São Paulo. Eu deveria retornar a São José dos Campos com minha mulher grávida de 9 meses. Dirigindo um fusquinha de fracas 1.200 cilindradas, na metade do caminho, Neide começa a sentir fortes dores de parto. Fomos direto para o hospital. Lá nasce uma menina com o cordão umbilical enroscado no pescoço. Dois dias depois, já estamos em casa. Mas, à noite, a menina não está bem: tem problemas respiratórios. Luiz Carlos Rosa, o pediatra amigo, corre para socorrê-la. E, felizmente, o problema é superado. Ana, que nasceu com menos de 2 quilos, tornou-se uma mulher bonita, inteligente, independente. Um mulherão, como se diz. Fez aniversário no domingo. Tem cheiro de flor!
Dia 11 de Setembro de 1973 é o dia do golpe de Estado que derrubou o Governo da Unidade Popular e implantou a sanguinária ditadura militar comandada pelo general Augusto Pinochet, hiena voraz da história do Chile. O Palácio Presidencial de La Moneda é bombardeado pelos milicos e o Presidente Salvador Allende morre de armas na mão resistindo ao golpe. A resposta ao assassinato de Allende chegou em 16 de outubro de 1998 ao quarto de número 20 da London Clinic de Londres. O policial da Scotland Yard se identifica a Pinochet e diz: “General, estou aqui para informar-lhe que 3.000 mortos chilenos decidiram não deixá-lo envelhecer em paz. O senhor está preso e será extraditado para o Chile ainda hoje à noite!”
Acaba de ser inaugurado, em New York, o Memorial do 11 de Setembro. Ele é formado por duas cascatas de 4 mil metros quadrados e quedas de água de 9 metros, dispostas exatamente no ponto onde cada uma das torres gêmeas se erguia. As cascatas são rodeadas por um parque de 65 mil metros quadrados que deve abrigar 400 árvores até ser concluído. Tem lá uma pereira que sobreviveu aos ataques de 2001 e passou os últimos 10 anos se recuperando num viveiro. Ao redor das cascatas, parapeitos de bronze apresentam os nomes das 3.000 vítimas. Os nomes não seguem uma ordem alfabética comum. Eles foram agrupados num jogo complexo de algoritmos por relacionamento: pessoas que trabalhavam juntas, amigos, familiares e até pessoas com histórias de vidas semelhantes. O arquiteto Michael Arad, construtor do Memorial, diz: “Tratei de construir o equivalente a um momento de silêncio. É o visitante que decide o que fazer com esse momento que proporciona descanso e reflexão”.
Acho que cada um de nós, em suas devidas proporções, tem lá as suas torres atacadas no decorrer da vida e seus percalços. Eu mesmo, em maio último, tive minhas torrinhas atacadas com arquitetada ferocidade, não obstante serem bem construídas. Foi numa descontraída reunião de almoço familiar. Como um travestido Osama Bin Laden, um contraparente, analfabeto funcional, farsante, mas hábil em armar circo, produz uma ridícula cena para tentar desarmar as minhas torrinhas. Não respondi ao ataque em consideração a uma pessoa adoentada, presente naquele almoço. A resposta virá com o tempo, pois a verdade é filha dele; do tempo. – Enquanto fico no momento de silêncio do meu memorial.