Toda mudança assusta e assombra. Mudos, falantes, esfuziantes, estressantes, nos mudamos como quem salta. E, no ar, antes de mergulhar sofremos na pele a estocada do tempo. “Mudar é descobrir a embriaguez do tempo e da morte” dizia Sartre. Nós mortais mudamos, isto é: passamos e morremos. “Tua alma, tua palma” já repetia dona Maria de Luna Botelho, minha avó, uma mulher erudita e enfezada.
O tempo é um coágulo de eternidade lançado fora, folha arrancada da imensa árvore da vida, cujo verdor nunca cessa. Essa folha, trespassada de morte, rodopia e se expande, saudosa do ilimitado. Teilhard de Chardin costumava catar pedras no chão, durante suas expedições paleontológicas. E ficava horas e horas olhando-as, pegando-as, vivendo a experiência indizível de ganhar o próprio tato, e os próprios dedos, através da dura consistência da pedra.
Gertrude Stein, a notável escritora americana dizia: “Uma rosa é uma rosa é uma rosa!” A beleza desse conceito é tão grande que resistiu à sua florida - e folhuda - divulgação, pelos quatro cantos do mundo. Ainda se pode dizer, com espanto e admiração, que uma rosa é uma rosa é uma rosa. Mas, no frigir dos ovos, por que uma rosa é uma rosa é uma rosa? É porque é um conceito tautológico. E a tautologia aborrece ao espírito científico; mas não à poesia. As metáforas são tautológicas uma vez que recriam uma coisa através de outras, que a repetem - e ilustram. Se Gertrude Stein tivesse dito que a rosa é a flor de um arbusto chamado roseira, exprimiria aí um enunciado em si mesmo, pertinente e consistente, embora árido e despojado de rosas. Por isso é que uma rosa é uma rosa é uma rosa! Para que ocorra o nosso encontro com a rosa, precisamos fechar todos os livros, desistir de todos os discursos, abrir mão de todas as mãos - e contramãos! “O real é o impossível’, dizia Lacan.
É preciso, contudo, ousar o impossível, para que seja redescoberta a dignidade do cosmo, do universo, do mundo. O mundo é o corpo de Deus; a formidável “ração de divindade” de que fala Santo Agostinho em seu De Magistro. Deus habita o coração da matéria. O materialismo não significa empobrecimento de nossa visão de mundo. Se a matéria é eterna - e existe sempre - ela é divina, tanto quanto é um Deus responsável por sua criação. “Somos sempre mais do que sabemos” ensina Hegel. A representação do mundo é infinitamente mais pobre do que o concreto de sua presença real, em cujo chão nos enraizamos, para existir e coexistir. Ao virar a dialética de Hegel de cabeça para baixo, Marx prestou um serviço inestimável ao conceito do absoluto, portanto da idéia de Deus. Chegamos a Deus pelo nosso espanto diante da grandeza do mundo. Deus tem a ver com as nossas bocas abertas - abestalhadas - diante do mistério de uma rosa!
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Paulo Augusto de Podestá Botelho é Professor e Consultor de Empresasl Membro-Docente da SBPC – Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. www.paulobotelho.com.br