Publicado em 10/04/2018 - politica - Da Redação
Espaço, que irá funcionar no antigo
prédio do Dops, em Belo Horizonte, será utilizado para preservação da memória
de abusos no país e de resistência democrática
“Eu
achava, com sinceridade, que aquele seria um espaço de memória de reconstrução
da história, do compartilhamento daquilo que foi feito, de informação, um
espaço até pedagógico. Mas agora eu tenho a sensação de que também será um
espaço de resistência. Lá, nós vamos resistir, nós vamos debater, vamos
refletir, vamos organizar manifestações necessárias, para que esta escalada
antidemocrática que o Brasil está vivendo tenha paradeiro”, defendeu o
governador em seu discurso.
A
escolha do prédio do antigo Dops, localizado na Avenida Afonso Pena, 2.351, no
bairro Funcionários, para abrigar o memorial, tem uma grande representação
simbólica. Durante o regime militar, o local foi palco de práticas de repressão
e tortura a perseguidos pela ditadura.
Fernando
Pimentel lembrou que, há mais de 40 anos, cumpriu pena no local e que, hoje,
como governador, tinha como objetivo transformar o espaço em um equipamento
público de resgate da história mineira.
“Passando
pelo Dops, fui testemunha dos abusos que eram praticados desde 1973, nos anos
de chumbo da ditadura militar. Muitos anos se passaram, muitos governos se
sucederam, mas foi preciso que o povo mineiro tivesse eleito um ex-preso
político para que finalmente a gente se apropriasse de forma adequada daquele
local. Eu gostaria de falar que tenho orgulho, mas não tenho. Se esse orgulho
existir, ele é coletivo, é compartilhado por nós todos, pela nossa geração, por
aqueles que resistiram e pelas gerações que estão chegando e sabem reconhecer a
luta dos que resistem”, relembrou.
Para
finalizar, o governador ainda destacou que o espaço será importante para a luta
e defesa da democracia brasileira.
“A
essa altura, está mais do que claro que que nós estamos num roteiro de
construção do fascismo no pais. Os eventos são abundantes, culminando com essa
prisão do ex-presidente Lula de forma arbitrária, absurdamente ilegal, fruto de
uma sentença jurídica frágil e equivocada, de um processo cheio de
irregularidades e, o mais absurdo, um mandado de prisão totalmente ilegal.
Porque ele não cumpre e não preserva os prazos de recursos que a lei assegura a
qualquer cidadão. Quando alguém diz assim, ‘mas a lei é para todos’, eu
concordo. Sim, a lei é para todos, menos para o ex-presidente Lula, que está
preso de forma ilegal nesse momento em Curitiba”, afirmou. Pimentel também
lembrou os casos do assassinato da ex-vereadora do Rio de Janeiro, Marielle
Franco, e as prisões de membros de universidades federais do país.
O
projeto
O
memorial, que será aberto à visitação pública, irá oferecer à sociedade um
equipamento coletivo com espaços museográficos, centro de pesquisa sobre a
história política do país – com rico acervo documental produzido pelas agências
de repressão, espaços para reuniões de grupos, associações e coletivos para a
realização de eventos culturais, seminários, debates e apresentações
artísticas. A implantação do memorial ainda tem como objetivo conscientizar os
cidadãos sobre os acontecimentos do passado para evitar que eles caiam no
esquecimento e não se repitam no futuro.
A
professora da UFMG e coordenadora do projeto República, e que ajudou na
elaboração da Casa da Liberdade, Heloísa Starling, explicou como o espaço será
importante para a preservação da história da democracia mineira.
“Teremos
um centro de pesquisa onde vão ser abrigados arquivos da repressão em Minas,
tanto da ditadura quanto no período do Estado Novo. Outro espaço vai abrigar as
oficinas de criatividade, onde a ideia é que a universidade consiga trocar
conhecimento com as comunidades e os coletivos de Minas Gerais. E ainda temos a
proposta de uma exposição permanente, com o conceito de que em Minas Gerais são
muitos os nomes da liberdade. Queremos conservar a história do Dops e dos fatos
que ocorreram ali”, explicou.
Já
o arquiteto que também trabalhou na elaboração do projeto do museu, Gringo
Cardia, destacou que o principal desafio é adequar a comunicação às novas
gerações, levando conhecimento a elas. “Vamos usar a interatividade para as
pessoas pensarem e se posicionarem sobre os valores de justiça e cidadania.
Vamos incentivar as ideias para o público a partir de oficinas de rap, poesia,
e fazer da Casa da Liberdade um espaço público, um espaço para a família”,
disse.
História
Ex-presa
política, a psicóloga Emely Vieira Salazar relembrou com tristeza os momentos
de tortura vividos por ela no local. “Eles achavam que os estudantes não
poderiam ter opinião, que eram contra o país. Fui presa por denunciar torturas.
E lá fui conhecer o que realmente era tortura. Pau de arara, choque elétrico,
palmatória, tudo quanto é tipo de tortura eu passei. Muita gente não sabe o que
foi a ditadura e dizem que ela pode voltar. Dizem isso porque não sabem o que é
uma ditadura. E o povo precisa saber disso, principalmente a juventude”,
relatou.
Para Nilcéa Moraleida Bernardes, também
ex-presa política, o extinto Dops rememora os gritos da tortura e da repressão
da época. “Quando voltei a ser presa, em 1974, uma coisa que me chamou atenção
é que existia um revestimento acústico que em 1971 não tinha. Nessa época, eu
ouvi, enquanto estava presa no subsolo onde ficam as celas, pessoas gritando
horrores. Gente chegando para as celas em estado de morte iminente”, relembrou.
O
espaço
Tombado
pelos patrimônios municipal e estadual (foi tombado pelo Iepha-MG em dezembro
de 2015), todas as propostas de intervenção física no edifício serão
desenvolvidas segundo as diretrizes estabelecidas pelos órgãos municipal e
estadual de proteção ao patrimônio. Do mesmo modo, a definição dos temas
e modos de abordar os diferentes assuntos será desenvolvida a partir de um
minucioso levantamento histórico, baseado em pesquisas documentais, em
depoimentos das vítimas e em debates com representantes de políticas de reparação
simbólica.
O
local passará por reforma emergencial, sob a responsabilidade do Instituto
Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha-MG) e
ficará administrativamente submetido à Secretaria de Direitos Humanos,
Participação Social e Cidadania (Sedpac).
Presenças
Também participaram do lançamento os
secretários de Estado de Cultura, Angelo Oswaldo; de Planejamento e Gestão,
Helvécio Magalhães; de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Germano
Vieira; de Desenvolvimento Agrário, Alexandre Chumbinho (interino); o
presidente da Codemig, Marco Antônio Castello Branco; a presidente do Iepha,
Michele Arroyo; o controlador geral do Estado, Eduardo Lima; o
presidente da MGS, Carlos Vanderley; o presidente do Ipsemg, Hugo Vocurca; o presidente
da Empresa Mineira de Comunicação, Elias Santos; e o presidente da Fundação
Clóvis Salgado, Augusto Nunes.
Ainda compareceram a reitora da UFMG, Sandra Goulart, a defensora pública do Estado, Christiane Neves Procópio Malard, os deputados federais Odair Cunha e Jô Morais, os deputados estaduais Marília Campos e Rogério Correia, o coordenador da Comissão da Verdade, Robson Sávio, o cineasta Helvécio Ratton, além de representantes da Prefeitura de Belo Horizonte, da Câmara Municipal e lideranças ligadas aos direitos humanos.