Publicado em 15/02/2021 - politica - Da Redação
Saúde, educação, segurança, infraestrutura e investimento. Estes são alguns dos serviços públicos essenciais para garantir a qualidade de vida da população, principalmente a mais vulnerável. Financiadas por impostos e tributos, as responsabilidades pela manutenção de cada um deles é dividida entre União, Estados e municípios.
O chamado “pacto federativo” é alvo de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) enviada pelo governo ao Senado Federal em 2019.
O texto voltou ao centro das atenções no Congresso depois que foi definido como prioritário na agenda de retomada econômica do governo Bolsonaro.
Ao ser eleito, o novo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), reafirmou o compromisso de aprovação da proposta. Ao todo, são três pilares trabalhados pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, ao apresentar a PEC: descentralizar, desindexar (a exemplo da anulação de reajustes) e desvincular.
Conhecida como “os três ‘D’”, a fórmula tem como principal objetivo flexibilizar o engessado Orçamento público e, ainda, entregar aos Estados e municípios até R$ 400 bilhões em repasses durante 15 anos, em troca de contrapartidas.
Ainda em tramitação na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa, o texto precisa ser aprovado por três quintos dos senadores – 49 parlamentares – para seguir à Câmara, na qual também necessita do aval de 308 deputados federais.
Neoliberal
Segundo o professor da Fundação João Pinheiro (FJP) Ricardo Carneiro, doutor em sociologia e política pela UFMG, a proposta segue a agenda neoliberal iniciada pelo então presidente Michel Temer.
“Tem um forte viés fiscalista, com a criação de um novo regime orçamentário. Isso envolve a desvinculação de receita, limites para crescimento das despesas, entre outras”, disse Carneiro.
Para o especialista, o Plano Mais Brasil, que inclui a PEC do Pacto Federativo, vai na mesma direção da defesa pela gestão anterior do Estado mínimo.
“E isso cai nos três ‘D’. Na verdade, o descentralizar não fala em recursos. A única coisa concreta é uma distribuição de bônus relativos ao petróleo, algo circunstancial. Está muito mais ligado a desobrigar os entes a cumprir determinadas funções. Em tese, pretende dar mais autonomia aos gestores e aumentar a eficiência administrativa, simulando a lógica de decisão do setor privado”, declarou.
Conforme Carneiro, o grande problema fiscal dos entes federados é causado pela falta de crescimento da economia brasileira desde 2014, e não pelo modelo de gastos determinado pela Constituição.
“Temos um PIB que transitou do decrescimento para uma quase estagnação. Se a produção econômica não cresce, a arrecadação não aumenta e os gastos ficam maiores em função da inflação. Isso gera um descompasso”, finalizou Ricardo Carneiro.
Projeto unifica gastos mínimos
Para dar fôlego aos gestores nos três níveis da Federação, uma das novidades previstas na PEC é a unificação de gastos mínimos em setores como educação e saúde. No caso dos municípios, por exemplo, os índices atualmente são de 25% e 15%, respectivamente, do Orçamento total.
Com a mudança, os percentuais, que somam 40%, seriam agregados para que o prefeito fizesse a melhor escolha em cada área.
“A falta de flexibilidade orçamentária agrava o problema da gestão pública no país. O Brasil possui o maior índice de rigidez orçamentária dentre os países da América Latina, 94%, segundo o Banco Mundial. Além disso, mais de 67% das despesas primárias da União são indexadas, segundo a Secretaria do Tesouro Nacional”, justifica o texto.
Já a professora Tathiane Piscitelli, da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV), argumenta que a medida pode gerar disputa por recursos e impactar a promoção dos direitos sociais.
“A leitura da justificação da PEC parece eleger como prioridade não apenas imediata, mas em longo prazo, a contenção do crescimento da dívida pública, ainda que isso implique a negativa de direitos básicos e constitucionalmente previstos”, enfatizoua professora Tathiane Piscitelli.
Combate à má gestão fiscal
Outro ponto trazido pela proposta é o fim da garantia federal às operações de crédito realizadas por Estados e municípios a partir de 2026, incluindo entidades da administração direta – a exceção será para organismos internacionais, como o Banco Mundial.
Pelo texto, o objetivo é evitar “que a má gestão fiscal seja premiada” ao deixar de salvar Estados endividados. Só com Minas Gerais, por exemplo, a União gastou R$ 3,1 bilhões para honrar empréstimos contraídos pelo Executivo local.
A professora Tathiane Piscitelli, da FGV, enfatizou que a proibição até pode gerar menor endividamento dos entes, mas por outro lado vai afetar as receitas.
“Em contrapartida, será eliminado o contencioso atualmente existente em torno da retenção de repasses da União para Estados e municípios na hipótese de execução de garantias em razão do não pagamento da dívida desses entes”.
Para a Confederação Nacional dos Municípios (CNM), a preocupação é outra: como a maioria dos investimentos é fomentada por essas operações, a medida deve atrapalhar drasticamente os municípios.
“A União faz a garantia, mas não tem prejuízo, porque acabamos também oferecendo repasses como o Fundo de Participação dos Municípios como compensação”, disse o presidente da CNM, Glademir Aroldi.
Por Lucas Morais - O Tempo