A pandemia e a eleição

Publicado em 04/07/2020 - raul-dias-filho - Da Redação

A pandemia e a eleição

Sempre gostei de política. Não necessariamente dos políticos, óbvio, mas me encanta ver a disputa que antecede as eleições. Especialmente nas cidades pequenas, onde todos se conhecem e cada voto é disputado no laço, no corpo a corpo. Tudo é interessante. Desde o momento em que os candidatos se anunciam e, principalmente, da maneira que o fazem. Sempre mineiramente, na surdina, como que espiando o terreno antes de pisar nele. E todos seguem mais ou menos o mesmo roteiro. Primeiro, o candidato a candidato comenta com os parentes próximos, depois com alguns amigos mais chegados e a partir daí deixa o boato seguir seu curso. Sempre de ouvidos atentos ao que o povo diz. Eu adoro escutar os comentários, tipos ‘você viu quem é candidato? Não administra nem a casa dele’ ou ‘eita, esse aí não vai ter nem o voto da família’ ou ainda ‘esse tá eleito!’ Essa pesquisa informal, no entanto, pode ser ilusória já que, diante do próprio candidato, por constrangimento, o eleitor raramente declara com sinceridade seu voto. Por isso, as pesquisas feitas por institutos credenciados e registradas na Justiça Eleitoral são mais confiáveis. Mas esse ano, por causa da pandemia, as eleições municipais vão ter características inéditas. Que vão ajudar alguns candidatos e prejudicar outros. A incerteza quanto às datas é o primeiro empecilho. Semana passada o senado aprovou, em primeiro turno, a proposta que adia as eleições, de 04 de outubro para 15 de novembro. Com a ressalva de que tudo pode mudar, com novos adiamentos, caso a pandemia continue no mesmo ritmo de agora. Mas creio que o maior obstáculo, nas cidades aqui da região, principalmente para os candidatos concorrentes, é: como fazer a campanha, no momento em que visitas estão proibidas? Como fazer o corpo a corpo em meio à uma pandemia mortal? Aquele abraço ou mesmo o aperto de mão, o cafezinho na cozinha, a conversa ao pé do ouvido, nada disso deve acontecer. Por isso eu disse que alguns candidatos serão beneficiados e outros, prejudicados. Quem se beneficia? Aqueles que já estão no cargo, por serem naturalmente mais conhecidos do eleitor. Os mais prejudicados, obviamente, serão aqueles que não terão sequer como se apresentar, muito menos expor suas ideias e projetos. Driblar esses obstáculos será um desafio e tanto para os candidatos. Até por isso, sou contra mandatos ininterruptos. Acho que o sistema eleitoral americano para presidência é ideal. Lá, o sujeito só pode cumprir dois mandatos, consecutivos ou não. Depois, não pode mais se candidatar à presidência. Por mim, esse sistema deveria ser implantado no Brasil para todos os cargos públicos, desde vereador até presidente da república. Eu acho que oito anos é tempo mais que suficiente para prestar os serviços necessários à comunidade. Além disso, provocaria uma rotatividade nas prefeituras e Câmaras Municipais e evitaria aquilo que acontece com muita frequência no Brasil, que é político transformar o cargo praticamente numa profissão. Alguns ainda são produtivos, fiscalizam o trabalho dos prefeitos e apresentam requerimentos para obras regularmente. Infelizmente, no mesmo balaio tem também aqueles que só apresentam requerimentos de pêsames, são incapazes de elaborar um projeto realmente útil e fazem do cargo o único sustento, como se fosse um emprego. Você, por certo, deve conhecer algum em sua cidade. Desses que usam e abusam das facilidades que a vereança oferece. Em troca do apoio irrestrito ao prefeito, empregam parentes nas prefeituras, usam maquinários públicos em obras particulares, distribuem favores em troca de futuros votos, abusam das diárias de viagem e agradam os eleitores quando lhes convém. Esses devem ser banidos da vida pública. E cabe ao eleitor fazer isso, usando o voto para separar o joio do trigo.

Viajando na saudade

Certa vez, numa palestra para alunos de jornalismo, me perguntaram qual o lugar mais bonito que tive o privilégio de conhecer, a trabalho. Pensei em Torres Del Paine, um parque ecológico com montanhas cheias de neve, na Patagônia Chilena; pensei em Galápagos, parque marinho do Equador; na imensidão do deserto do Saara, na misteriosa selva amazônica, nas majestosas montanhas do Laos e em algumas praias da Tailândia e de Fernando de Noronha. Todos esses lugares me deixaram fascinado mas nenhum deles é mais bonito que os verdes campos da minha terra. Falo desses montes e montanhas aqui do Sul de Minas, bem ao alcance de seus olhos todos os dias, que estão entre as mais belas paisagens do mundo. Tudo bem, talvez tenha uma dose de bairrismo nessa avaliação, mas essas montanhas que nos cercam são maravilhosas demais. Sabe quando a gente percebe isso? Quando fica longe delas por algum tempo. A principal diferença, em relação à outras paisagens, é que estas montanhas parecem estar em constante mudança. Quando vi, na Patagônia, uma montanha cinzenta com o cume cheio de neve à beira de um lago, fiquei muitos minutos contemplando e pensei: não existe nada mais bonito que isso. Mas essa impressão se desfez algumas semanas depois porque aquela era uma paisagem imutável. Exatamente igual todos os dias, todos os meses, todos os anos, independentemente do tempo, das estações, da chuva ou do sol. Sempre foi e sempre será uma montanha cinzenta com o cume cheio de neve. É bonita, mas de uma beleza pálida, fria. Como uma pintura na parede, deixa nossos olhos se acostumarem com ela. Sabe aquele lugar que te deslumbra ao primeiro olhar mas depois perde o encanto? É isso. Já as nossas montanhas não permitem que isso aconteça. Elas têm vida própria, se renovam a cada estação. Às vezes com tons mais brilhantes, às vezes mais opacos. Daqui a pouco, quando o frio do inverno chegar, elas estarão mais cinzentas, mas nem por isso menos bonitas. Na melancolia também existe beleza. Muitas vezes deixamos nossos olhos se acostumarem com o belo e quando isso acontece, a beleza passa despercebida ou se torna banal. Quer um exemplo? Experimente, bem agora, de onde você está, olhar com atenção para a montanha mais próxima. Vai se surpreender com a quantidade de tons diferentes de verde que sua vista vai encontrar. Observe a graciosidade dos montes e montanhas. Formas suaves, envolventes, cuidadosamente desenhadas, durante milhares de anos, pelas mãos da natureza. Digo isso com base em minhas lembranças. Imagens gravadas na memória e que afloram agora, quando essa doença maldita nos obriga a manter distância de tudo e de todos. Essa saudade dói. Saudade dos parentes, dos amigos, das montanhas cobertas de cafezais. Quando eu for, espero que seja logo, não sei exatamente como as montanhas estarão. Se for daqui a pouco, em agosto ou setembro, sei que as encontrarei ainda verdes e até mais coloridas e perfumadas. Como damas zelosas, cientes de suas belezas, se enfeitarão com flores de ipês brancos, roxos e amarelos. Os cafezais estarão se renovando e as paineiras, solitárias nos pastos, estarão altivas, espalhando as painas brancas e dispersando sementes. Paisagens que estão presas na memória e que espero rever o quanto antes. Afinal, não há nada mais bonito que os verdes campos da minha terra.

Por hoje é isso. Semana que vem tem mais. Até lá.



Raul Dias Filho

O autor é jornalista e repórter especial da Record TV