Publicado em 30/04/2021 - raul-dias-filho - Da Redação
Seguimos em
silêncio no carro até um restaurante que, se não me falha a memória, se chamava
Degrau. Naquela altura do campeonato, havia poucos clientes ali. E foi
impossível ignorar o furdúncio numa mesa dos fundos. Pelo barulho,
gargalhadas e, principalmente, pela aparência das figuras. Na mesa, além de
várias outras pessoas, estavam Baby Consuelo e Thomaz Green Morton. Ela,
uma das grandes cantoras brasileiras da época, totalmente sem pecado e sem
juízo, tinha acabado de se separar de Pepeu Gomes. E Thomaz estava no
auge. Era conhecido em todo o Brasil e até no exterior como um paranormal capaz
de produzir luzes, entortar talheres e fazer perfume brotar das mãos. Estes
poderes misteriosos teriam surgido depois dele ter sido atingido por um
raio enquanto pescava. O guru do 'rá' atraía uma legião de seguidores para seu
sítio, em Pouso Alegre. Inclusive personalidades como Elba Ramalho, Ivo
Pitanguy e Gal Costa. Na época, Thomaz cobrava até 20 mil dólares para supostos
tratamentos de energização. Realmente, era um cara muito estranho aquele
Thomaz. Usava barba e cabelos compridos, vestia uma bata colorida e tinha,
bem no meio da testa, uma protuberância meio azulada, que ele dizia ser o
'terceiro olho'. O fato é que, naquela noite, ele e Baby estavam chapados. Já
tinham bebido rios de cerveja e whisky. Me lembro que era mês de dezembro.
Então pensei: 'vou entrevistar o Thomaz e pedir pra ele fazer algumas previsões
para o ano que vem'. Seria perfeito! Quando disse isso ao cinegrafista, ele
quis morrer. Já tinha trabalhado mais do que o suficiente para uma simples
exposição e agora teria que interromper o jantar pra gravar com um guru ?? Não
mesmo! Sei que deu o que fazer pra convencê-lo. Na verdade, tive que pagar a
metade da conta. E lá fui eu para a mesa de Thomaz e Baby. Quando cheguei fui
direto pra ele:
"- Olá, Thomaz, tudo bem ? Meu nome é
Raul, sou repórter da TV Sul de Minas e gostaria de gravar uma entrevista, pra
que você faça algumas previsões para o ano que vem...'
Ele olhou demoradamente em meus
olhos, muito sério. De repente estendeu a mão direita espalmada em minha
direção e gritou pra Pouso Alegre inteira ouvir:
'-
Ráááááááááááááááá!!!!!!!!!!!!'
Juro que quase
caí de costas com o susto que levei. Ainda mais que a mesa inteira, Baby
inclusive, acompanharam o guru no grito e repetiram, todos com a mão espalmada em
minha direção:
-'Rááááááááááááááá!!!!!!'
Eu ergui a mão e respondi, num sussurro:
- 'rá...'
Foi bom porque quebrou o gelo. Thomaz deu uma
gargalhada e puxou uma cadeira pra eu sentar. Aí ficou meia hora falando. Disse
que não poderia gravar entrevista porque tinha um contrato exclusivo com uma
emissora suíça e também porque as previsões que ele tinha eram bombásticas
demais e iriam assustar o mundo. Enfim, uma historia sem pé nem cabeça mas que
deixaram aquele jovem repórter impressionadíssimo. Ainda tentei convencê-lo,
mas não teve jeito. Foi então que o próprio Thomaz sugeriu:
'- Porque você não grava com minha amiga Baby ?
Ela acabou de se separar, está gravando um novo disco e tem muita coisa pra
falar.'
Me virei pra Baby e falei:
- 'Ok ? Pode ser ? Você grava comigo ?
- Claro! Vamulá!!! Arma o circo ali e me chama
quando estiver pronto.'
A equipe, que ainda estava terminando o jantar,
ficou irada, claro. Tiveram que buscar câmera, iluminação, microfones, vt,
enfim, uma parafernália de equipamentos. Mas depois de tudo pronto, gravei uma
senhora entrevista com Baby. Ela falou sobre o começo da carreira, da formação
do grupo 'Novos Baianos', do fim do casamento com Pepeu, da fase cósmica e
telúrica, dos filhos (estava grávida na epoca) e da música popular brasileira.
Quando me despedi, já de madrugada, Thomaz Green Morton se virou novamente pra
mim e repetiu:
'-Rááááááááááááááá....uuuuulllll !!'
Todos deram
risadas, agradeci novamente e pegamos
estrada. Depois, fiquei uma semana com o corpo impregnado por um
perfume adocicado que ele, sei lá como, exalou sobre mim e que não havia banho
que tirasse do corpo. No dia seguinte, como o cinegrafista tinha previsto, a
matéria sobre a exposição foi exibida com exatos 30 segundos de duração. Já a
entrevista com Baby mereceu uma edição especial e foi ao ar no telejornal de
sábado, com quase seis minutos de duração. Como não tinha feito nenhum contra
plano, não apareceu nenhuma pergunta minha. (O contra plano é quando o
reporter, depois da entrevista, repete todas as perguntas de frente para a
câmera. É um recurso usado quando gravamos com apenas um cinegrafista. Depois,
na edição, fica parecendo que a entrevista foi gravada com duas câmeras). Mas
no final da entrevista apareceu o crédito 'reportagem - Raul Dias Filho'.
E ainda recebi muitos elogios da chefia por ter tido a iniciativa de fazer uma
matéria que não estava na pauta. Foi uma sensação extraordinária. Que se
repetiria, dias depois, ao gravar com um dos maiores nomes da história da MPB.
O primeiro grande 'furo' da minha carreira. E totalmente casual. Mas isto eu
conto semana que vem.
Porque por
hoje é isso. Mas semana que vem tem mais. Até lá.
RAUL DIAS FILHO - O autor é jornalista e repórter especial da Record TV