Publicado em 19/02/2021 - raul-dias-filho - Da Redação
Esta semana um amigo me ligou, disse que tinha
feito exames para Covid e que o resultado o surpreendeu: apontou que ele tem
anticorpos ativos, sendo que ele aparentemente não teve a doença. O médico
dele, porém, explicou que em algum momento ele teve, sim, contato com o vírus e
que, para sorte dele, não desenvolveu nenhum sintoma e estava imunizado. Feliz
com a notícia, perguntei:
“- Que beleza! Então você tá que nem um
coco?”
- Que nem o quê??
- Que nem um coco!
- Coco? Mas porque igual a um coco?? Isso é
bom ou ruim?”
Aí então a conversa desandou porque tive que
explicar que essa é uma expressão que usamos no interior e que estar igual a um
coco é bom porque é o coco é uma coisa boa, etc e tal. E então me dei conta de
que existem expressões e frases que só nós, mineiros do interior, sabemos
traduzir. Aliás, pra falar a verdade, muitas vezes nem nós sabemos exatamente o
que elas significam ao pé da letra. Me lembro, por exemplo, que desde pequeno
ouço a expressão ‘tá no imbé’. Ela é usada para exemplificar que alguém está
numa situação bem ruim, praticamente sem escapatória. Por exemplo, o sujeito
faz um teste de Covid e dá positivo. Ele então comenta com um amigo e o amigo,
que é mais amigo da onça do que dele, diz:
“- Ó, não quero te desanimar não, mas agora
ocê tá no imbé”, tipos, agora você tá ferrado e não tem pra onde fugir. De
tanto escutar, também usei essa expressão algumas vezes até que um dia ouvi de
novo e encasquetei com aquilo: o que é afinal esse ‘imbé’ ou onde fica isso?
Achava que devia ser um lugar danado de ruim porque, afinal, só ‘tá no imbé’
quem se dá muito mal. Então, perguntando aqui e pesquisando ali, descobri que
imbé é uma planta e também um tipo de cipó que, por ser fino e maleável, é
usado como uma espécie de embira para amarrar as pernas das galinhas que serão
vendidas ainda vivas na feira ou no mercado. Funciona assim: amarra-se as
pernas e as galinhas são penduradas por esse amarrio numa vara para serem
transportadas mais facilmente. O que justifica a expressão. Se você ‘tá no
imbé’, você não tem mesmo como escapar. Em suma, se você ‘tá que nem um coco’,
você tá ótimo. Mas se você ‘tá no imbé’ então se lascou, meu amigo. E essas são
só algumas das expressões que falamos frequentemente e que intrigam os
‘estrangeiros’, ou seja, aqueles que não conhecem ou não tem intimidade
suficiente com o ‘mineirês’, esse idioma próprio, único e encantador que
falamos por aqui. Se você faz parte dessa lista, não se preocupe. Para que
você, quando vier ao interior de Minas, não fique mais perdido que cachorro
quando cai da mudança, preparei uma pequena lista de expressões corriqueiras
que usamos e os seus significados. Algumas têm o mesmo sentido, tá?
•Voei na capoeira: saí fora ou correndo
•Deitei o cabelo: saí fora ou correndo de
novo
•Lavei o milho: saí fora ou correndo mais uma
vez
•Casquei fora: saí de fininho
•Quase caí de costas: levei um susto
•Azedou a boca da égua: algo deu errado
•Vorta cueio! : ‘sai fora!’ ou ‘tô
fora!’
•Vixe Maria: reação diante de algo
inesperado
Essas são apenas algumas das expressões que me
lembrei rapidamente. Existem muitas outras. E, na verdade, todas refletem um
pouco da alma mineira. É um jeito que temos de encarar a vida e as dificuldades
com algum humor e leveza. Ah, sobre isso não posso deixar de lembrar que, antes
da pandemia, fiz uma viagem ao sul do Brasil para fazer uma reportagem. Quando
cheguei, tive uma grata surpresa: a cidade se chama Imbé. Finalmente, depois de
tanto andar por aí, eu tava no Imbé. Só que, ao contrário do que diz nosso
ditado, esse é um lugar bom para se estar. A cidade, tranquila e agradável,
fica no Rio Grande do Sul e é banhada pelo oceano Atlântico. Depois de
conhecê-la, fiquei com a sensação de que, a partir de agora, não vou achar ruim
se alguém me disser ‘você tá no imbé’.
Por hoje é isso. Semana que vem tem mais. Até
lá.
RAUL DIAS FILHO - O autor é jornalista e repórter especial da Record TV