Publicado em 26/03/2021 - raul-dias-filho - Da Redação
Você se lembra da primeira receita que aprendeu na vida? Receita
de comida mesmo. Tipos, algum bolo, mingau, suco, vitamina, qualquer coisa que
você tenha aprendido e preparado pela primeira vez? Deve ter sido alguma coisa
bem simples, né? Que me lembre, acho que a primeira que preparei foi leite com
farinha de milho e açúcar. Receita de criança mesmo. Super fácil. Um ou dois
copos de leite no prato fundo, algumas colheres de farinha de milho e açúcar a
gosto. Sabe o que era isso? A nossa versão dos sucrilhos que, naquela época, a
gente nem sabia que existia. Era nosso lanche da tarde. Às vezes, para variar,
mamãe fazia outra receita rápida e fácil: mingau de maisena. Tão fácil quanto a
primeira, com a diferença que esta precisava ir ao fogo. Coloca se leite,
açúcar e algumas colheradas de maisena numa panela e deixa aquecer em fogo
baixo, sempre mexendo. Quando engrossar, tá pronto. Fica melhor ainda se
queimar o fundo. Gosto esquisito, eu sei, mas eu gosto assim e pronto, acabou.
O toque de Midas é polvilhar com canela em pó e deixar algum tempo na
geladeira. Fica igual a um manjar improvisado. Estas recordações são de um
tempo duro, custoso, quando a carestia sempre falava mais alto que a fartura. E
o improviso fazia a diferença na cozinha. Não só na hora de preparar lanches e
sobremesas, mas principalmente no dia a dia, quando mamãe se esforçava para
preparar os melhores pratos com as poucas misturas que tinha à mão. Na
macarronada dos domingos, por exemplo, o molho era preparado com massa de
tomate e sardinha em lata. E isso também era improviso, porque o tomate era um
produto raro nas feiras e o preço da carne era proibitivo para muitas famílias.
Falando nisso, parece que voltamos no tempo porque a carne, com os preços de
hoje, novamente se tornou inacessível para a maioria dos brasileiros. Tão cara
que outro dia me disseram, brincando, que comer carne na semana santa não é
mais pecado. É milagre. Brincadeiras à parte, o fato é que esses tempos
sombrios que vivemos, onde um vírus mortal impede que as pessoas circulem e
trabalhem normalmente, são mais cruéis que os tempos passados e o improviso não
é mais suficiente para alimentar muitas famílias. Receitas simples não bastam,
porque falta o básico, o fundamental. Em muitas mesas, começa a faltar o arroz,
o macarrão, o leite. E agora, para estas famílias, é fundamental oferecer a
alternativa de uma outra receita. É
preciso, de maneira URGENTE, que alguns setores da sociedade e poder público se
organizem rapidamente, discutam propostas, cadastrem famílias carentes, avancem
na ideia de novos programas sociais e socorram aqueles que estão
momentaneamente sem condições de alimentar seus filhos. A fome e o desespero já
batem à porta de muitas dessas famílias. E elas, silenciosamente, pedem
socorro. Tudo acontece de maneira rápida e não nos damos conta da gravidade e
da urgência de buscar soluções. Esse momento que estamos vivendo hoje será
lembrado daqui a 200 ou 300 anos como um dos mais tristes na história da
humanidade. Cabe a nós buscar o nosso papel nessa história. Para que ele seja
digno é preciso oferecer o que temos de melhor: empatia, generosidade,
compreensão, solidariedade. É hora de doar, sem limites. Esses são os
ingredientes. O nome da receita, todos sabemos de cor: amor.
Por hoje é isso. Semana que vem tem mais. Até lá.
RAUL DIAS FILHO - O autor é jornalista e repórter especial da Record TV