Sabe quem está com Covid?

Publicado em 10/07/2020 - raul-dias-filho - Da Redação

Sabe quem está com Covid?

Essa pergunta está se tornando comum nas cidades da região à medida em que, todos os dias, mais e mais casos de Covid 19 são registrados. E os números, que eram preocupantes, estão ficando assustadores. Só na última terça feira foram registrados 16 novos casos em Juruaia, onde duas pessoas já morreram pela doença. Proporcionalmente é um desastre. O município tem pouco mais de 10 mil habitantes e registrou o segundo maior número de casos, em um só dia, em todo o Sul de Minas. Em Guaranésia, a Covid já matou 4 pessoas; outras duas em Guaxupé e sete em Poços de Caldas. Ou seja, o vírus está apertando o cerco e bate às portas de quem mora na região de forma cada vez mais intensa. Por enquanto, Muzambinho, Cabo Verde e Monte Belo não registraram mortes. Queira Deus que continue assim! Mas as notificações, evidentemente, provocam muito medo. Todo dia um novo caso. ‘Quem é? Não sei.’ Pronto, nascem os boatos. E boatos andam de mãos dadas com o medo. Cada vez que a Secretaria de Saúde divulga um novo caso, a pergunta se repete: ‘sabe quem está com Covid?’ E a resposta, às vezes, vem com vários nomes diferentes. Aí, junto com o medo, surge a insegurança. O que faz com que pessoas que sequer estão doentes acabem sendo apontadas como contaminadas. Penso que uma maneira de se evitar isso seria a divulgação, pelas secretarias de saúde, das identidades dos pacientes que testassem positivo. Os boatos terminariam e as pessoas que tivessem tido contato com esses pacientes procurariam o hospital mais próximo para fazer os testes. Ajudaria inclusive os Comitês de Crise a fechar o cerco e diminuir a contaminação. Só que existe o outro lado da moeda. Os dados médicos são sensíveis e, por isso mesmo, sua divulgação é proibida. A não ser quando expressamente permitida pelo paciente. A lei manda resguardar a identidade dos pacientes justamente para que eles não sejam expostos a um mal que, no fundo, não deixa de ser também uma doença: a do estigma. E em cidades menores, onde todos se conhecem, o efeito pode ser devastador. Existe o risco do paciente com Covid ser apontado, durante muito tempo, como ‘o contaminado’. E as pessoas evitarem sua presença e também de seus familiares. O medo também tem esse poder, o de provocar algumas maldades que julgamos incapazes de cometer. É o fruto e o efeito de vivermos em uma sociedade cada vez mais preconceituosa e discriminatória. Corremos o risco de sermos contaminados por ela. O que fazer então? Acho que o meio termo e, principalmente, o bom senso são necessários aqui. E eles devem ser discutidos, encontrados e definidos como regras pelas autoridades de saúde de cada município. O desafio é imenso: resguardar a saúde pública e, ao mesmo tempo, preservar o direito inalienável ao sigilo que tem o paciente. Contrapor relevância e necessidade. A informação é relevante e é mesmo necessário que ela seja divulgada? A resposta deve ser definida por todos. Mas a decisão e a última palavra deve ser do paciente. Ele será o fiel da balança.  

 

A lenta agonia do cinema - Essa semana marcou a morte de Ennio Morricone, um dos homens que ajudaram o cinema a se firmar como a sétima arte. Aliás, esse termo surgiu logo nos primórdios do cinema, em 1911, quando o crítico Riccioto Canudo se maravilhou com o ambiente e fez um manifesto onde integrava a tela grande na categoria das Belas Artes, que já tinha a música, pintura, escultura, arquitetura, poesia e a dança. O cinema seria, portanto, a sétima arte. Termo que se consagrou e é usado até hoje. Dito isso, voltemos ao maestro Ennio Morricone. Ele foi o cara que simplesmente mudou a história dos faroestes no cinema. Foi tão genial que existe um AM e um DM: Antes de Morricone e Depois de Morricone. Simples de explicar. Antes dele, as trilhas dos filmes eram basicamente eruditas e repetitivas. Som da orquestra e mais nada. Morricone mudou tudo. Inseriu outros instrumentos, como guitarra e gaita e, para desespero dos conservadores, até efeitos sonoros como sons de chicotes, coiotes, corvos e assobios. Se você assistiu ‘Três homens em conflito’, com Clint Eastwood, ou ‘Era uma vez no oeste’, com Charles Bronson, sabe do que estou falando. Se não assistiu, pesquise aí no seu serviço de streaming que certamente estará disponível. O fato é que a morte de Morricone e a repercussão em cima da obra dele me transportaram para um passado distante, tipos década de setenta, quando ainda existiam cinemas em praticamente todas as cidades do Brasil. Até nas mais isoladas e pequenas, como Muzambinho e Cabo Verde. Nessas cidades, os filmes chegavam de ônibus! Isso mesmo. Os rolos com as fitas chegavam de ônibus, com data e hora marcada. O próprio dono do cinema ficava esperando na rodoviária pelo ônibus que traria o sucesso do momento. O cinema era tão importante na vida social das cidades que tinha localização privilegiada. Sempre no centro, perto da igreja e da praça principal. Era ali que todos circulavam. Eu ainda era criança quando fui ao cinema pela primeira vez. Foi mágico. Imagine o que é cinema para uma criança que nem televisão tinha em casa. O cinema de Cabo Verde, que se chamava Cine Paratodos, era onde hoje fica a Loja Maçônica, bem no centro. Era um prédio antigo, mas bonito, e dentro dele existiam dois níveis: o ‘térreo’ onde ficavam as poltronas e, no fundo, um elevado de madeira, como se fosse um camarote, que tomava toda a parte dos fundos do cinema. Claro que eu e todos os moleques adorávamos ficar no ‘poleiro’, que era como a gente se referia ao lugar. Assisti bons faroestes ali. Meu herói preferido era Giulianno Gemma e o filme inesquecível dessa época foi ‘O dólar furado’. Eram outros tempos. O ingresso era barato. Eu tinha uma caixa de engraxar sapatos e com apenas uma noite de trabalho na praça já arrecadava dinheiro suficiente para uma sessão. Nestas sessões, só tínhamos uma certeza: a de que no melhor momento, quando todos estivessem de olhos grudados na tela, a fita iria arrebentar. Era batata! Então, um festival de assobios, gritos, risadas e pés batendo na madeira enchiam o ambiente. As luzes se acendiam e intermináveis minutos se passavam até que o projecionista acertasse tudo, recolocasse a fita no rolo e as luzes se apagassem para o filme recomeçar. Lembranças que nunca se apagam. Nessa mesma época, em Muzambinho, existia o Cine São José, que também ficava bem no centro da cidade. Muita gente se lembra dele como ‘o cinema do seo Hugo’. Naqueles tempos não se vendiam pipocas nos cinemas, mas ali não faltava a bala Chita, aquela que grudava nos dentes. O dono, seo Hugo Bengtson era o ‘faz tudo’ do cinema. Vendia ingresso, vendia bala e atuava como lanterninha. Pra quem não sabe, ‘lanterninha’ era o cara que percorria a sala do cinema, às escuras, com uma lanterna na mão, ‘alumiando’ os casais que aproveitavam o escurinho do cinema para dar uns amassos. Mas tudo isso foi bom enquanto durou. O Cine São José e o Paratodos de Cabo Verde foram, aos poucos, perdendo espaço para novas tecnologias. A televisão foi o primeiro adversário de peso. Chegou de maneira tão avassaladora que aniquilou todos os cinemas das pequenas cidades. E o São José e o charmoso Paratodos fecharam as portas por falta de público. Nas cidades maiores o cinema até que resistiu bravamente mas foi sendo enxotado aos poucos, até deixar as ruas e se refugiar no ambiente sofisticado dos shoppings centers. Ganhou novas dimensões, sons em diversos canais, pipocas, refrigerantes e, nos mais chics, até garçons. As redes sociais e o marketing ajudaram a impulsionar lançamentos e termos como ‘blockbuster’ ficaram comuns aos nossos ouvidos. Mas aí as plataformas de streamings, tipos Netflix e Amazon, surgiram como novas ameaças. Mesmo assim, o cinema segurou a onda. Agora, a pandemia dá um golpe que pode ser fatal para muitas salas. Mas, tenho certeza, não será mortal para o cinema. Ainda veremos muitos filmes na tela grande. Como os inesquecíveis ‘O dólar furado’, ‘Dança com lobos’, ‘Forrest Gump’, “Cinema Paradiso’, ‘Os Intocáveis’, ‘O Poderoso Chefão’ e ‘Os oito odiados’. Citei apenas alguns dos mais marcantes que assisti e ficaram na memória. Como nada é por acaso, sabe quem fez a trilha sonora de ‘Cinema Paradiso’, ‘Os Intocáveis’ e ‘Os oito odiados’? Ele mesmo. Ennio Morricone. O cara que fez a música se transformar na alma do cinema. E o cinema justificar o título de ‘sétima arte’.    Por hoje é isso. Semana que vem tem mais. Até lá.


Raul Dias Filho - O autor é jornalista e repórter especial da Record TV