Todas as crianças já entraram? 

Publicado em 18/12/2020 e atualizado em 22/12/2020 - raul-dias-filho - Da Redação

Todas as crianças já entraram? 

Falta uma semana para o Natal. E ainda não recebi nenhum cartão de boas festas. Cartões desses físicos, de papel brilhante, com um desenho de Papai Noel na capa e dentro, a singela mensagem de Feliz Natal e Próspero Ano Novo. Ano passado, nessa época, já tinha recebido um ou outro. Se bem que o ‘um’ era de um banco e o ‘outro’, de uma seguradora. Até fiquei desconfiado na hora de abrir. Quando vi que o remetente era o banco, logo pensei ‘vai que é uma cobrança’, temeroso de gastar o décimo terceiro por causa de uma conta esquecida ou uma fatura inesperada. No fim, eram votos de boas festas, desses que os bancos mandam a granel para todos os correntistas. Mas quer saber? Os dois cartões ficaram pendurados na árvore de natal, como troféus solitários em meio às bolinhas coloridas. Faz falta receber  esse tipo de afago, mesmo que seja de cobradores. Depois, pensando naquela carestia de cartões, me lembrei que, por outro lado, também não tinha enviado nenhum. Só não entrei em depressão porque, logo depois, muitas  mensagens chegaram virtualmente, pelo celular e computador. Na verdade, acho que tenho o mesmo perfil da maioria dos mineiros que conheço: não temos o hábito de mandar cartões. O que, de certa forma, explica o fato de não recebê-los. Não é por falta de afeto ou pão-durismo, embora a gente goste de economizar, sim senhor. É simplesmente por entender que um cartão é muito frio e impessoal para substituir um abraço, um olhar, um sorriso, quando ele pode ser dado. Só que agora, desgraçadamente, não podemos abraçar. Hoje, qualquer objeto, até um simples envelope, pode transportar o maldito vírus que impede os afetos. O bom senso manda que até aqueles cartões de papel, bonitos e brilhantes, também sejam evitados. Os sorrisos, os olhares, o beijo e o abraço, tudo isso tem que ser enviado ou transmitido de maneira virtual. De novo e mais do que nunca, o celular e o computador serão nossos mensageiros. Até porque eles já são mesmo. Todas as mensagens, recados e conversas que mantemos são por e-mail ou redes sociais. Por exemplo,  você se lembra da última carta que escreveu? Qual foi a última vez que comprou um selo para enviar uma carta? Faz tempo, né? Hoje, já existe uma geração inteira que nem sabe o que é um selo. São crianças e adolescentes que jamais escreveram uma carta, a não ser como exercício em sala de aula. Para nós também é assim. Não enviamos cartas para ninguém e as correspondências físicas que recebemos são sempre as mesmas. Contas de luz, de água, faturas de cartões, de crediários ou planos de saúde. E nem nos damos conta da falta que faz receber um envelope, abrir e encontrar lá dentro um papel escrito à mão, com palavras de afeto e carinho. Pegar a carta, reconhecer a letra, sentir o cheiro do papel e da tinta e, as vezes, até de um perfume, torna uma carta escrita de próprio punho algo como declaração incontestável, senão de amor, de profunda consideração. Outro dia recebi, pela internet, a cópia de uma cartinha que uma tia muito querida e amada, chamada Ana, enviou, 30 anos atrás, para os irmãos e irmãs, inclusive mamãe. Eles faziam parte de uma família grande e muito unida. Na infância, eram em catorze irmãos! Quatro homens e dez mulheres. Cresceram juntos e se cuidavam com um carinho e um amor que nunca vi igual. Minha vozinha, que os netos chamávamos de Mãe Cota, e que  todos os filhos chamavam de ‘mãezinha’, cuidava de todos com um amor e zelo absurdos. Nessa cartinha, tia Ana fala da saudade da casa onde cresceram e da presença constante da mãezinha querida. Ela escreveu de próprio punho e entregou pessoalmente às irmãs e irmãos. Tomo a liberdade de transcrever aqui uma das mensagens mais lindas que já li. E que me emociona todas as vezes que a releio. Diz assim: 

“Muitas vezes, quando a noite se aproxima, lembro-me de uma velha casa no alto de um morro. De um quintal muito grande e florido, onde as crianças brincavam à vontade. E quando afinal, a noite descia, amortecendo aquela algazarra alegre, mãezinha percorria os olhos por ali e perguntava:  

-“Todas as crianças já entraram?” 

Já se passaram muitos e muitos anos desde então. E a velha casa do alto do morro não mais ecoa com os passos infantis. E o quintal - que pena! - está tão silencioso! Mas quando as sombras descem, ainda vejo tudo. E embora já se tenham passado muitos anos, ainda escuto mamãe perguntar: 

-“Todas as crianças já entraram?” 

Agora me pergunto se, quando vierem as sombras do último dia sobre a terra, quando nos despedirmos do mundo lá fora e todos, cansados dos nossos brinquedos infantis, pisarmos na Outra Terra, onde mãezinha já se encontra há muito tempo, será que a ouviremos indagar como antigamente:  

-“Todas as crianças já entraram?” 

Manos e manas, vamos cada dia mais nos achegar a Deus, para que, quando lá no céu chegarmos, podermos dizer alegremente: 

“Sim, mãezinha, estamos todos aqui” 

25/01/1990.     Ana Palma Dias

Tia Ana já se foi. Assim como mamãe e a maioria dos 14 irmãos, estão juntos com a mãezinha querida. Que esta cartinha com tão linda mensagem, que transcrevo entre lágrimas, te inspire a escrever também. Abra seu coração e diga, nesse Natal, tudo que tem vontade de dizer aqueles que você ama. Sempre é tempo de fazer isso. Não precisa de palavras bonitas. Precisa de palavras sinceras. Porque as palavras escritas que saem do coração ficam para sempre. 

Por hoje é isso. Semana que vem tem mais. Até lá.  

Raul Dias Filho - O autor é jornalista e repórter especial da Record TV
E-mail: rauldiasfilho@hotmail.com