Padre submetido à mais severa pena do Vaticano celebra missas independentes

Publicado em 05/06/2015 - regiao - Da Redação

Padre submetido à mais severa pena do Vaticano celebra missas independentes

Alfenas – Cerca de 300 fiéis olham fixamente para o altar montado no galpão de 600 metros quadrados na periferia de Alfenas, no Sul de Minas, a 378 quilômetros de Belo Horizonte. As luzes se apagam e, por pouco mais de 10 minutos, o padre André Aparecido Silva, de 34 anos, iluminado por uma lanterna, passeia entre os presentes com a imagem dourada, de formato arredondado, contendo uma hóstia – o Santíssimo Sacramento da Igreja Católica. Alguns se ajoelham, choram, uma mulher grávida toca o objeto sagrado enquanto acaricia a barriga e senhoras rezam em voz alta, ao passo que o violonista vai aumentando o tom da voz para ditar a emoção.

Durante uma hora e meia, o discurso ameno e conciliador do sacerdote conduz a celebração, semelhante à de qualquer outra igreja católica sobre a face da terra – não fosse por um motivo. Em 7 de maio, André recebeu a excomunhão – a pena mais severa imposta sob as leis do Vaticano – por ter criado uma nova religião, a Igreja Católica Independente, que segue os mesmos preceitos e ritos da igreja milenar fundada por Pedro, mas sem qualquer vínculo com a hierarquia do Vaticano. A criação da nova igreja gerou uma espécie de guerra santa entre a população religiosa de Alfenas, uma cidade de 78 mil habitantes, dos quais 57 mil (73%) se declararam católicos no último Censo, em 2010 – percentual superior ao do Brasil (64,6%) e ao de Minas Gerais (70,4%).

A ampla maioria católica da cidade está distribuída em cinco paróquias, a mais nova delas a de São Sebastião e São Cristóvão, da qual André foi pároco nos últimos seis anos, até ser afastado da função no fim de agosto do ano passado. Na ocasião, o bispo da diocese de Guaxupé, dom José Lanza Neto, o afastou do cargo devido à “delicada situação financeira da paróquia”. O bispo cobrava explicações sobre o uso do dinheiro proveniente da venda de parte de um terreno de 26 mil metros quadrados, localizado em frente à paróquia, no Bairro Santa Maria, comprado em 2011 por R$ 550 mil.

Segundo André, o valor da venda de 10 mil m² por R$ 1,088 milhão – negociação que ocorreu após uma supervalorização imobiliária na região – serviu para quitar as parcelas restantes da área total, adquirir uma casa paroquial no valor de R$ 280 mil, reformar igrejas e capelas pertencentes à paróquia, além de construir e reformar casas de pessoas carentes – o que, segundo o padre, não seria permitido pela diocese. À exceção do dinheiro direcionado aos mais necessitados, todo o montante arrecadado e gasto constava na prestação de contas enviada à diocese, que, mesmo aprovada em 2012, não aliviou a punição imposta pelo bispo.

Desde então, o que se viu em Alfenas foi uma queda de braço entre o padre e a diocese, entremeada de acusações, decretos e repreensões, que serviram para dividir a opinião dos moradores. Em 15 de setembro, o bispo dom José Lanza emitiu uma repreensão canônica, alegando que o padre, ao explicar os motivos de seu afastamento à comunidade, havia feito discurso “altamente agressivo, com afirmações injustas e inverídicas” contra ele. O sacerdote foi obrigado a pedir desculpas diante dos paroquianos. Dez dias depois, mesmo aceitando o pedido de perdão, o bispo emitiu um preceito (similar a um decreto) impondo afastamento a André de qualquer celebração pública, por um ano, além de outras restrições que, caso não cumpridas, poderiam culminar no afastamento definitivo.

População está dividida entre padre excomungado e orientação da Diocese de Guaxupé
A Diocese de Guaxupé se pronunciou sobre a criação da nova igreja por nota oficial publicada em seu site. No texto, lido em paróquias de Alfenas, o bispo dom José Lanza orienta: “Os católicos não podem, nem devem participar de qualquer ‘culto’ realizado em tal igreja e, sim, permanecer numa atitude de fé e fidelidade, em nossas paróquias”. A nota traz informações sobre a “separação por completo da Igreja Católica Apostólica Romana” por parte do padre, o que automaticamente gera a excomunhão latae sententiae. A autoridade competente, no caso o bispo, apenas oficializa de maneira pública a previsão do direito canônico.
A cidade está dividida entre padre e bispo. “Eu sou católico. Esse negócio de igreja independente eu acho que não está certo. Meu pai é católico, minha mãe é... Não concordo”, afirmou o aposentado Sebastião Bifaroni, vizinho da paróquia São Sebastião e São Cristóvão. “Eu não tenho coragem de sair daqui e ir lá assistir à missa. Não é a Igreja Católica verdadeira. Eu frequento a Igreja, a verdadeira, que tem padre e bispo. Lá ele não pode dar comunhão”, completou.

Os paroquianos que permaneceram na São Sebastião e São Cristóvão seguem a recomendação do atual padre e do bispo: evitam comentar o caso publicamente e entrar em polêmica – apesar de, na internet, o debate acalorado ter declarações fortes de ambos os lados. “A comunidade ficou dividida, sim. Muitos saíram, mas quem ficou permanece forte nas pastorais. Acabamos de fazer uma festa na paróquia que foi um sucesso”, comenta uma funcionária paroquial.

Nas ruas, a divisão também é clara. “Quem acredita em Deus pode entrar em qualquer igreja que esteja falando Dele. Basta se sentir bem. O que importa é a fé de cada um”, afirma o frentista Thomas Edson Almeida. “Um lado fala uma história, outros contam outra. Por não ser uma igreja aprovada, muitos ficam contra”, acrescenta o auxiliar administrativo Rodrigo Aparecido, resumindo a guerra santa que abalou a cidade do Sul de Minas.

Fonte: Estado de Minas